quinta-feira, 11 de abril de 2013

Da possibilidade jurídica da lavratura de escritura pública de estabelecimento de diretivas antecipadas de vontade.


O testamento vital é o documento em que a pessoa determina o tratamento a que deseja ser submetida caso se encontre em estágio terminal de doença incurável, ou simplesmente, que não deseja ser submetida a nenhum tratamento que evite a sua morte caso esse processo já tenha se iniciado.

1- FUNDAMENTO LEGAL

O presente artigo tem por finalidade defender a possibilidade dos tabeliães procederem à lavratura de Escritura Pública de Estabelecimento de Diretivas Antecipadas de Vontade, também denominada de Testamento Vital, entendida como o documento em que a pessoa determina o tratamento a que deseja ser submetida caso se encontre em estágio terminal de doença incurável, ou simplesmente, que não deseja ser submetida a nenhum tratamento que evite a sua morte caso esse processo já tenha se iniciado.
Nos Estados Unidos esse documento tem valor legal, tendo surgido com o Natural Death Act, no Estado da Califórnia em 1970. Exige-se que seja assinado por pessoa maior e capaz, na presença de duas testemunhas, sendo que a produção de seus efeitos se inicia após 14 dias da sua lavratura. É revogável a qualquer tempo, e possui uma validade limitada no tempo (cerca de 5 anos), devendo o estado terminal ser atestado por 2 médicos. (BAUDOUIN, J. l., BLONDEAU, 1993, p. 93).
No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, não há legislação expressa nesse sentido, podendo, no entanto, a possibilidade jurídica da lavratura dessa escritura ser respaldada nos artigos 1º, inciso III e 5º inciso III Constituição Federal, bem como no artigo 3º da Lei nº. 9434/97 e no Código de Ética Médica.
A Constituição Federal, no seu artigo 1º, inciso III trata do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, nas palavras de Roxana Cardoso Brasileiro Borges, "liga-se à possibilidade de a pessoa conduzir sua vida e realizar sua personalidade conforme sua própria consciência, desde que não sejam afetados direitos de terceiros. Esse poder de autonomia também alcança os momentos finais da vida da pessoa". (BORGES, 2005).
Assim, possui a pessoa o direito de ter a sua integridade física e psicológica respeitada, a garantia da sua integridade e identidade manifestadas como a exteriorização de sua personalidade, o que implica em não ser submetida a um tratamento médico que evite artificialmente um processo de morte já iniciado, de modo que a desumanize, condenando-a a um estado vegetativo.
Tal assertiva encontra respaldo nos direitos a garantias fundamentais, já que a Constituição Federal, no seu artigo 5º inciso III estabelece que "ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante".
Os avanços da medicina devem ser entendidos de modo a proporcionar uma melhoria das condições de vida e de saúde do paciente, e não como um fim em si mesmo. A tecnologia não se justifica quando é utilizada apenas para prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser humano, também entendida como o direito a ter uma morte digna.
Jussara Meirelles e Eduardo Didonet Teixeira ensinam que "é possível entender que o acharnement subverte o direito à vida e, com certeza, fere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, assim como o próprio direito à vida. Se a condenação do paciente é certa, se a morte é inevitável, está sendo protegida a vida? Não, o que há é postergação da morte com sofrimento e indignidade [...] Se vida e morte são indissociáveis, e sendo esta última um dos mais elevados momentos da vida, não caberá ao ser humano dispor sobre ela, assim como dispõe sobre a sua vida?" (MEIRELLES, Jussara, TEIXEIRA, Eduardo Didonet, 2002, p. 371).
O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931, de 17 de Setembro de 2009), no Capítulo I, inciso VI , determina que "o médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade".
Nessa seara, prolongar indefinidamente o funcionamento dos órgãos vitais de uma pessoa, sem que haja possibilidade de cura ou melhora no seu quadro clínico, com o fim apenas de evitar o inevitável, impedindo o processo de morte natural, é ferir a sua dignidade enquanto ser humano.
Cumpre ressaltar que o que se defende aqui é o processo de ortotanásia, o qual é atípico perante o nosso Código Penal, e não a eutanásia.
Com efeito, a ortotanásia consiste no processo de morte natural, ou seja, ao invés de se prolongar artificialmente o processo de morte, o médico permite que este siga o seu curso natural. Diferentemente da eutanásia, em que há a antecipação da morte de pessoa que sofre de patologia incurável, a fim de abreviar seu sofrimento.
Por oportuno, cumpre ressaltar que em 1984, com a Reforma da Parte Geral do Código Penal, havia também a proposta de reforma da Parte Especial, a qual não ocorreu. E o Anteprojeto da Parte Especial trazia a previsão expressa da ortotanásia, cunhada nos seguintes termos: "Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém, por meio artificial, se previamente atestada, por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão". (121, § 4º).
A Lei 9434/97, no seu artigo 3º estabelece que "a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina".
Assim, poderia ser aplicada por analogia tal dispositivo legal à Escritura Pública de Estabelecimento de Diretivas Antecipadas de Vontade, sendo aplicada a vontade ali esposada pelo outorgante caso 2 médicos atestem a morte encefálica de acordo com os critérios clínicos e tecnológicos definidos pelo Conselho Federal de Medicina.




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